Pesquisar neste blog

segunda-feira, outubro 05, 2009

No coração líquido da ilha

Ao colocar a imagem da bolha no centro nevrálgico das reflexões sobre a contemporaneidade, Peter Sloterdijk sublinha a intenção de revisar o fetichismo da substância, em um mundo cada vez mais desubstancializado. O filósofo nos dá a entender que não estamos mais apoiados na solidez, nem se pode mais procurar segurança numa verdade única. Tais ideias nos permitem uma leitura comparada do livro "O filho da mãe", de Bernardo Carvalho com o filme "The buble", de Eytan Fox.
A expressão aqui feita título foi tirada do livro de Bernardo de Carvalho. Ela, de fato, auxilia bastante qualquer tentativa de comentários sobre o livro em sua temática sobre as possibilidades das relações afetivas e/ou eróticas de hoje, quando o coração, sede mítica do bem-querer-romântico, passa a ser constantemente atacado em sua vulnerabilidade: os amores expressos. São os afetos frágeis em suas estruturas e sem substâncias, leves em seus estados, que engendram o texto de "O filho da mãe".
O fato é que, para fugirmos à ameaça de "explosão da bolha", ilhamo-nos, criamos sistemas imunológicos que só nos deixam seguros até o próximo segundo, quando muito. Isto está sugerido tanto no livro, quanto no filme "The Buble" nas suas cenas de fundamentalismo e extremismo religioso e na relação limite das personagens.
Nas duas obras, a ameaça de serem descobertos excita ainda mais os amantes, como a quaisquer amantes. O amor passa a ser associado ao risco e à guerra, no que há de mais eletrizante e aterrador nesta associação. No livro e no filme, temos o amor afetado e atravessado pela política: Enquanto no livro, a primeira noite de sexo acontece em um vagão de trem abandonado "como se não estivessem no epicentro da guerra"; no filme, as personagens de Fox se conhecem em uma fronteira de Tel Aviv - a "bolha" do título, por ser uma cidade que parece isolada do resto de Israel. Amores-ilhas e amores ilhados.
O sexo destes "amores entre escombros" é uma metáfora à trégua, com o desejo "deixando a realidade da guerra em suspenso". O amor é o "baixar da armas", talvez pela urgência. Por fim, as paisagens labirínticas dominam o leitor/espectador e as personagens, que fazem da guerra "um quarto em ruínas", ganham seus cúmplices.
Como sugere Sloterdijk, as esferas só chamam atenção quando rebentam. Ler o livro "O filho da mãe" e ver o filme "The Buble" fazem pensar que os homens são componentes de um intenso segredo relacional. Um doce mistério minando permanentemente.

Texto publicado no Jornal A União 03/10/2009

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Peça Vestido de Noiva (Dir. Gabriel Vilela) - Ficou patente, apesar do ar de novidade, que o clown não soluciona a complexidade do texto de Nelson Rodrigues. Uma pena, pois, no todo, a peça é bonita.

= Filme Taking Woodstock (Dir. Ang Lee) - Incrível a fersatilidade deste diretor. O filme é lindo, em suas imagens, temas e trato com a história.
= Filme Dzi Croquettes (Dir. Tatiana Issa e Raphael Alvarez) - O doc. faz juz a este grupo/movimento/filosofia que redefiniu o maneira de pensar a arte e os (des)limites fronteiriços entre os gêneros sexuais.
= Livro Berkeley em Bellagio (João Gilberto Noll) - A narração é aflitiva, capta bem a personagem no limiar entre o real e o ficcional.
= Livro O quieto animal da esquina (João Gilberto Noll) - O melhor livro do Noll, que li.
= Livro Teatro (Bernardo Carvalho) - O modo como as histórias se tocam, se cruzam, ao mesmo tempo em que se distanciam é a grande chave deste trabalho incrível.
= Exposição Cartazes Cubanos = Todo estudante de arte precisa aprender um pouco com esta exposição. A qualidade das peças é absurda! Caixa Cultural Rio até 26 de outubro.

Um comentário:

Alda disse...

sou tua fã incondicional! beijao, Leo!