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terça-feira, março 10, 2009

Cartão-postal

Em tempos de “Era Obama”, vale a pena lembrar o rap “O Herói”, composto por Caetano Veloso para o disco “Ce” de 2006. Em “O herói” quem “fala” é um militante que a princípio quer semear o “ódio racial”, e a “separação nítida entre as raças”, bem ao modelo da América do Norte. Porém, ele percebe que não pode ir adiante porque descobre que é, na verdade, o homem cordial que veio para “afirmar a democracia racial”.
Em entrevista, o compositor afirmou que “é como se fosse a trajetória de um ativista do movimento negro que, depois de se opor a todas as ilusões da harmonia racial brasileira, termina reafirmando-se como o homem cordial e instaurador da democracia racial. É como se ele atravessasse o processo inteiro e no fim chegasse a uma coisa a que só um brasileiro poderia chegar”. Antonio Risério, no inspirado e audacioso livro “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros”, aponta os riscos da transculturação do modelo americano de distinção racial em um país como o nosso. Ele afirma que “esta visão monocular – que vê a mestiçagem como embranquecimento dos pretos, mas nunca como escurecimento dos brancos – parece ser uma constante do racialismo”. Para este autor, “o ‘genocídio’ do negro não pode ser pensado sem o ‘suicídio’ do branco”.
Mas, voltando ao rap de Caetano, a narrativa de quem quis “fomentar o ódio racial”, é tão forte em termos de crítica social quanto “Haiti”. “Um olho na Bíblia, outro na pistola” aponta o herói, redefinindo-se. O “ódio” tem como sugestão principal o fato do herói velosiano ter nascido “num lugar que virou favela” e ter crescido “num lugar que já era”, enfatizando a marginalidade a que o herói-mulato é submetido. Além disso, os versos “por um triz não sou bandido / sempre quis tudo o que desmente esse país encardido” são reveladores de alguém que teve que se subverter aos preconceitos e expectativas da sociedade. Da sociedade colorida e encardida do Brasil.
Para Caetano, o movimento pela igualdade racial, quando chegar à sua plenitude, se não houver um desvio alienante, “vai reencontrar esses conteúdos brasileiros, por causa de nossa muito profunda miscigenação e da tradição de não manifestar o ódio racial”. É assim que em “O Herói” o mulato surge com a missão de “instaurar a democracia racial”. Nada mais justo em um país cujas raízes estão fincadas no hibridismo das raças.
Resta citar, para concluir, que o mesmo Caetano Veloso na canção “Os passistas” canta a beleza de dois mulatos, que fotografados, revelam-se como nosso “cartão-postal”.

Texto publicado no Jornal A União em 07/03/2009.

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Exposição Rubem Grilo Xilográfico (1985 a 2009) - Importante amostra do trabalho de Rubem Grilo. Entre as peças, matrizes usadas pelo artista. Prestar atenção nos detalhes das figuras geométricas. Na Caixa Cultural, até 12 de abril.
= Filme Slumdog Millionaire (Quem quer ser um milionário?) - Mostra um país bem diferente da Índia televisiva. Bonito argumento, trilha sonora incrível, atuais competentes..., mas não merecia o Oscar.
= Filme The Day the Earth Stood Still (O Dia em que a Terra Parou) - Só as cenas finais pagam o filme.
= Filme Rachel getting married (O casamento de Rachel) - Um filme da era pós-eleição-Obama denso e cheio de personagens complexos, como a vida. O roteiro bem elaborado e as tomadas a la documentário enchem o filme de uma delicada e precisa introspecção.
= Filme Valkyrie (Operação Valquíria) - O melhor do filme é mostrar o óbvio: nem todos os "aliados" de Hitler eram nasistas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Este é um assunto deveras simples, essa problemática toda se dá pelo preconceito!

bjsss

king of pain disse...

É sempre bom quando algum ponto positivo da nossa cultura é apontado (com exceção do carnaval, que nem é mais tão positivo assim). Penso que a atitude do herói cordial deve estar ligada a uma filosofia cultural bastante brasileira. No final das contas, é bom viver num país que não institucionalizou o ódio racial.
Abraços!