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quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Uma peça de estética camp?

Medida por Medida, montagem de Gilberto Gawronski para o texto de William Shakespeare, traduzido por Bárbara Heliodora, em cartaz até março no Teatro I do CCBB do Rio de Janeiro, é um bom exemplo de “espetáculo de diretor”.
Coerente com sua carreira, Gawronski assume os riscos de montar uma peça clássica sem ficar preso em academicismos. Interpretado a partir da ótica queer, que, segundo Guacira Lopes Louro, autora de Um corpo estranho – Ensaios sobre sexualidade e teoria queer” é o estranho e o esquisito, Medida por Medida ganha elementos importantes para sua fruição.
Reduzi-la a uma "peça gay" - Gayspeare -, como foi aventado, é certamente um reducionismo. Ler a peça a partir da teoria queer, amplia-lhe os nuances. A proliferação de elementos diversos me levou a tal leitura.
Queer é também “o excêntrico que não deseja ser integrado”, daí identificarmos na peça o clima de ludicidade e sado-masoquismo que atravessa seus cinco atos. Como o chicote indefectível que Ângelo (Ricardo Blat) usa a todo o momento, além do perturbador figurino concebido em couros, correntes e afins.
Já a atuação do debochado Luis Salém como o Duque de Viena e a presença cênica do afetado Lúcio (Celso André), e mesmo a do romântico Cláudio (Gustavo Wabner), preso, em pose à la São Sebastião, numa cela que mais faz lembrar uma “gaiola” de boate gay, reforçam a atmosfera queer, já que, para Guacira, “o sujeito da sexualidade desviante” – homossexuais, bissexuais, transexuais – também é queer.

Não é estranho, portanto, que Gawronski tenha recorrido a um elenco todo masculino, mesmo para os papéis femininos. Tanto para nos remeter ao modelo elisabetano, quando mulheres não subiam ao palco, como para acentuar a intenção caricata e drag, incorporando o desconforto da ambiguidade queer. Tudo isso se contrapõe, ou nem tanto, às inúmeras referências religiosas, a contar do título (trecho de passagem bíblica).
Tal “mistura” mostra que o diretor optou por entregar ao público um imbricado jogo de luz e sombra neobarroco. Problematizando o dualismo das relações entre o privado e a ordem pública e para impor leveza ao destino trágico dos fatos, o diretor faz girar a hipocrisia humana. Tudo sublinhado pelo exagero queer das insinuações de corpos nus embalados por Madonna, Cyndi Lauper, etc., causando estranhamento e provocação.
Com suas escolhas, a direção não nega que ainda hoje há opressão do Estado sobre o indivíduo, mas aponta que quem faz as leis são os indivíduos. Gawronski compraz-se no suplemento e nos detalhes para dar um choque nas falsas honras que cercam os autores canônicos, sem se perder em digressões tolas, nem se deixar engolir pelo texto.

Texto publicado no site Mix Brasil em 06/02/2009
http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/3_51_71158.shtml

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:
= Peça Hitchcock Blonde - Boas idéias, mas com resultado duvidoso. A tentativa de unir linguagens (cinematográfica e teatral) se perde no exagero do desejo de deixar tudo muito claro.
= Filme Doubt (Dúvida) - Fotografia, posicionamentos de câmera, (quase nenhuma) trilha sonora, atuações excepcionais e texto/roteiro precisos dão a este filme um clima absurdamente tenso e denso, para mostrar as incertezas que nos acompanham na surdina.
= Exposição Rico Lins: Uma gráfica de fronteiras - Coletânea de trabalhos do designer. Oportunidade de visitar uma exposição bem apresentada de um profissional que não se contenta com pouco. Até 15/03, na Caixa Cultural-Rio.
= Exposição Vik Muniz - O MAM-Rio abriga até 08/03 a exposição deste artista que aborda, de forma engajada (pelo material utilizado), mas sem panfletarismos, a significação e a importância da arte. As montagens de Vik Muniz ampliam e incomodam a percepção do nosso mundo contemporâneo.
= Exposição Roberto Burle Marx 100 anos: A Permanência do Instável - No Paço Imperial até 22/03 é possível ver como a obra deste paisagista vai muito além das fronteiras dos jardins. Pinturas, maquetes, tapeçarias, jóias e projetos diversos dão a amplitude do grande artista.

6 comentários:

Unknown disse...

A PARTE EM QUE bURLE mARX FALA DE URUBURETAMAMA, É O MÁXIMO!!!!

Lou Porto disse...

Bela crítica, Leo. Parabéns pelo blog. Beijos.

Anônimo disse...

Oi Leonardo. Achei o texto muito bem escrito, parabéns. A única obervação que faço é em relação ao fato de sermos adjetivados como uma peça com "estética gay". Isso foi feito pela Tânia Brandão, e eu particularmente discordo, pois acho q o espetáculo tem sim, uma estética fetichista ou SM, e não necessariamente gay (talvez a trilha sonora tenha mais esta levada) mas a peça como um todo ultrapassa esta classificação. De qualquer forma, obrigado pelo apoio na divulgação, e mais uma vez parabéns.

Leonardo Davino disse...

Gustavo, agradeço a leitura e o comentário. Porém, devo ressaltar que em nenhum momento da minha crítica falo em "estética gay" o que certamente seria um reducionismo de minha parte. Fiz uma leitura da peça a partir da teoria queer, pois, vc pode concordar comigo, o fetichismo e o SM fazem parte daquilo que chamam de "estética queer", que não é exclusivamente, nem necessariamente gay, é algo muito mais amplo, que causa estranheza e estranhamento, como a peça. A proliferação de elementos diversos, na peça, me levou a tal leitura. Se me fiz entender errado, peço desculpa. Longe de mim concordar ou reforçar a crítica da Tânia Brandão. Mas agradeço muito sua observação. Parabéns pelo trabalho e abração.

Anônimo disse...

Pô, ficou meio subentendido que foi vc que disse que a peça tem uma "estética gay", mas não. Vc realmente fez um outro tipo de paralelo. A ressalva que fiz foi muito mais em relação as outras críticas que estamos recebendo, principalmente a do jornal "O Globo" assinada pela Tânia Brandão. Abração!

Anônimo disse...

oi Leo! Ví sua crítica sobre aquela peça horrível sobre o madame satã no sesi. Também achei de muito mal gosto. Agora eles estão com "o burguês fidalgo da mangueira", mais uma péssima adaptçaõ.. bem qu vc poderia ir dar sua sugestão.