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segunda-feira, janeiro 26, 2009

Sempre cantando

Quem não vai sentir saudade de dona Edith do Prato? É dela a voz que abre o indefectível disco Araçá Azul (1973) de Caetano Veloso.
Desde a primeira audição fiquei fascinado por aquela voz carregada de sertão e de mar. Fui atrás de mais informações sobre a dona daquela voz. E assim me despertei para a beleza do canto e da personalidade da mulher que entoava samba de roda, esse gênero “primitivo” cantado deste antes do surgimento do samba de fato.
Descobri sua imagem no filme Cinema Falado (1986), único filme dirigido por Caetano Veloso. Num belo momento, surgem imagens intercaladas, ora da senhora dona da voz e da precisão percussiva, ora de Rodrigo Velloso sambando como só se samba no Recôncavo Baiano.
A partir de então, descobri que o friozinho na espinha e o calor no coração que sinto toda vez que a ouço me acompanhariam para sempre. É sinestésico. Sua atitude de raspar a faca no prato, iconizando o talho dos anseios nordestinos, representa um recanto do Brasil que teima em existir e resistir. É um Brasil de veias expostas, tal qual a literatura de Guimarães Rosa é para mim. Festa e religião não institucionalizadas.
Porém, 2009 começou com a triste notícia da morte de Edith de Oliveira Nogueira, seu nome de batismo. Não fosse o único CD – Vozes da Purificação, produzido por Maria Bethânia, – e um pontual e pouco divulgado DVD, que leva o mesmo nome do CD, talvez ficássemos “apenas” com sua voz em Araçá Azul, no qual ainda divide com Caetano os vocais de "Sugar Cane Fields Forever", interpretando canções de domínio público.
Vê-la no DVD Vozes da Purificação cantando “Marinheiro só”, com seu rosto de uma dignidade sem igual e já com voz instável, sentada, como que no quintal de sua casa, numa cadeira rodeada pelas senhoras que formam o grupo Vozes da Purificação, da cidade de Santo Amaro, é uma experiência de contato imediato com este Brasil repleto de aconchego e desafetação quase perdidos.
“Sois nossa grande esperança, refúgio e consolação”, diz o Hino de Nossa Senhora da Purificação. Certamente, o canto e o riscado de dona Edith do Prato são sensações e imagens, hipnose e limpeza que insistiram em nos acompanhar.

Texto publicado no Jornal A União-PB em 24/01/2009

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Peça Mercadorias e futuro – É sempre um deslumbre ver Lirinha (vocalista do Cordel do Fogo Encantado) em cena. Aqui ele busca encontrar um preço para a arte da melhor forma possível.
= Filme RocknRolla (Guy Ricthe) - Com narrador e fotografia a la film noir, o diretor atualiza o gênero e oferece uma bofetada em quem assiste ao filme.
= Filme Jack And Miri Make a Porno - Com excelentes e hilariantes sequencias o filme tem desfecho morno.
= Show Eu não sou nenhuma santa (Sílvia Machete) - No ano em que se comemora os 100 anos de nossa Carmen Miranda, Sílvia Machete representa e sustenta a força do mito, porém, acrescentando novos elementos, antropofagicamente.
= Livro Anjos caídos (Harold Bloom) - Ensaio despretensioso, mas preciso, sobre o imaginário da figura do anjo em nossas vidas. Desde os textos religiosos, passando por John Milton, Shakespeare... Bloom chega a conclusão de que os anjos caídos são todos os humanos.

Um comentário:

Anônimo disse...

nunca tinha prestado muita atenção ao prato de dona edith, mas, ao ler o seu escrito prometo que vou ficar mais atento. vou ouvir de novo e com muita atenção o araçá de caetano e dizer azulzim que chico science não foi tão original assim ao colocar as vozes de cantadores populares abrindo música no seu disco de estréia.

valeu léo,

beijos