
Acho oportuno dizer que estudei 11 anos em colégio de freiras, o que revela como esta data sempre teve um significado especial na minha educação. Educação cristã, de menino-bonzinho e bem-comportado. Mas a gente cresce, entra em contato com outras culturas, pensamentos, filosofias, teorias, práticas... amadurece. E, ao amadurecer, a gente vai deixando de querer ser "bonzinho", acaba não tendo mais aquela empolgação de mudar o mundo e percebe que o grande barato é apenas ser. Isso dá uma liberdade incrível.
Enfim, na minha infância, Natal, entre outras coisas, era um dia para se usar uma roupa nova, feita por uma costureira simpática do interior. Por isso resolvi também dar uma ao blog. Gosto da imagem de lâmpadas que se apagam e se acendem. Metáfora das novas idéias, do transitório e das coisas que iluminam, ou se deixam iluminar, dando espaço para a descoberta daquilo que estava no escuro, ou encoberto.Mas o texto natalino não saía e, ainda pensando no que escrever, fiquei navegando pelas notícias on line.

Fui conferir os comentários dos leitores à notícia, e me assustei quando li: “Tem que apanhar mesmo, não respeitam ninguém, estava na rua vindo do trabalho um traste desse me cantou só não voltei para dar um esculacho pq tava com pressa.”
Arnaldo Antunes cantava no CD: “Socorro! Alguma alma mesmo que penada, me empreste suas penas já não sinto amor, nem dor, já não sinto nada...” e isso aumentou minha consternação diante de tamanha falta de... de... De que mesmo? A voz mono de Arnaldo responde: de “uma emoção pequena, qualquer coisa que se sinta... Tem tantos sentimentos deve ter algum que sirva”.
Para mim, cada vez que a mídia usa a expressão "opção sexual", agrava ainda mais a questão. Deveriam falar também em opção social para falar dos pobres, opção racial para falar dos negros, opção visual, para os cegos, opção motora, para os paraplégicos e por aí vai. Enquanto isso, uma deputada européia protesta contra o enforcamento de gays no Irã e é ridicularizada por alguns veículos de imprensa.
Mas tem também aqueles que agrediram uma doméstica na rua porque “pensaram” que ela era uma prostituta. Ou seja, se de fato fosse podia esfolar e matar, né? É bem aquela nossa mentalidade: “Aquilo com o qual eu não sei lidar (em mim), eu excluo, ignoro, mato”.
E teve também o caso do torcedor que foi espancado até a morte só porque era de um time adversário aos agressores. Etc, etc, etc... Isso sem falar nas “violências silenciosas” (talvez piores). Tem violência para tudo que é tipo e gosto. Gosto? Sim, ou não concordamos que quem pratica tais atos sente prazer?
Psicanalistas já afirmaram que estamos revelando uma crescente intolerância à dor e à frustração. Percebo como reflexo ou resultado disso, a busca por alternativas rápidas e descartáveis de prazer. A exaltação do EU aqui e agora, sem privações. Muitas são as causas e impensáveis são as conseqüências.
Mas nada do tal texto sair. Continuei navegando, ainda na busca de uma inspiração positiva e feliz, e cheguei ao blog do amigo Tiago+. Aí minha estupefação foi completa quando li incrédulo que ele havia sido espancado por três rapazes, alterados pela droga, que lhe pediram dinheiro, em um parque de São Paulo.
Quantos de nós ainda seremos agredidos? Ouço Fernanda Takai cantando “não sei pra onde vou, não sei se vou ou vou ficar, pensei não quero mais pensar, cansei de esperar”. Até quando ficaremos apenas lendo e assistindo a tudo como se não fosse conosco? Eu sei, esta pergunta já virou simplesmente uma questão de retórica.
Sem dúvidas essas não eram as imagens nem os temas que eu queria para o nosso Natal. Por fim, sem ter nem saber o que escrever, lembro de um verso de Caetano que resume tudo aquilo que minha esperança no Ser Humano ainda indica:
“Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem,
apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final”.
Aí estão duas excelentes palavras para um texto “diversidade” e “harmonia”, mas depois de tudo, mesmo acreditando no uso delas, não tenho ânimo para escrevê-lo. É isso. Feliz Natal!
PS: Este texto é dedicado a Rogério Pita, que saiu de cena este ano. Companheiro de anos do amigo Marcus Aurélio. Travessia – esta palavra é só pra dizer e diz.