Pesquisar neste blog

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Eterna batucada

O que há em comum entre "Pra você gostar de mim (Taí)", "Elogio da raça", "Alô... Alô?...", "Tic tac do meu coração", "Adeus batucada", "No tabuleiro da baiana", "Camisa listada", "Na baixa do sapateiro", "O que é que a baiana tem?", "Mamãe, eu quero" e "Tico-tico no fubá" é que, além de serem canções (sambas e marchinhas) que fazem parte do imaginário (orgânico) da história da nossa canção popular (e do nosso carnaval), elas são do repertório de Carmen Miranda.
O livro "Carmen", de Ruy Castro é imprescindível. A frase de efeito tenta resumir o assombroso trabalho do biógrafo (são quase 600 páginas) sobre a vida da brasileira mais famosa do século XX. O cuidado com as informações e a construção da personagem marca a obra de Ruy Castro. Apesar de seguir a ordem cronológica dos acontecimentos, aqui e ali o autor faz recuos precisos, ou antecipações luminosas, a fim de instigar o leitor e criar a trama da história a ser narrada.
Ruy Castro narra em linguagem bastante próxima do leitor. Muitas vezes parece estar pensando junto com o leitor, quando, por exemplo, em mais de uma vez, atônito, diante de atitudes que certamente resultarão em algo ruim, ele pergunta: por quê? Autor e leitor ficam sem respostas, pois elas não existem, ou, se existem, escapam à racionalidade de quem está distanciado emocional e temporalmente dos fatos.
Não restam dúvidas de que Carmen, a mulher que fez o Brasil sair da toca, com sua força e presença física, eternizou as canções de seu repertório. E como fomos ingratos com Carmen! Isso enquanto intelligentsia, porque o povo, este nunca se enganou. Ele sabia (e sabe, porque ainda se embalam com suas canções) que Carmen personificava a explosão colorida da alegria de um povo que, apesar da dor, canta e é feliz. Isso não é utopia, basta observar ao redor, para perceber; basta ter os olhos livres, como Carmen, literalmente (com um toque de Dorival Caymmi), tinha; basta sair às ruas.
Perdemos tempo criticando Carmen, enquanto o que ela fazia, carregando nas costas o nome do Brasil, era dar uma resposta sublime ao nosso ato mesquinho. Não sabíamos como defini-la. Ela expunha nossa brejeirice de forma radical. Envergonhamo-nos.
Por mais que saibamos a história de Carmen, e de que modo ela tristemente acaba (ou melhor, se eterniza), é difícil não fechar o livro com a sensação de que tudo poderia ser diferente. Ficam os porquês, mas, sobretudo, as canções que ela batucou.

Texto publicado no Jornal A União em 19/02/2010

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme A fita branca - A crueldade se ramifica de forma lenta e certeira durante este filme (de fato) cruel.
= Peça Um navio do espaço ou Ana Cristina César - Ver Paulo José em cena é sempre um deslumbramento.
= Peça A chegada de Lampião no inferno (Cia. PeQuod de Teatro de Animação) - Mais um excelente espetáculo da Cia. Com muitas referências ao mestre Vitalino, o roteiro ganha muito no que se refere à emoção.
= Peça Pernas pro ar - Claudia Raia confirma sua veia para comédia e musical. Ela arrebenta, mesmo com texto e versões musicais fracos.
= Disco Cauby interpreta Roberto (Cauby Peixoto) - A interpretação de Cauby Peixoto dá às canções de Roberto Carlos certa dramaticidade (sem exageros) que toca fundo o coração do ouvinte.
= Exposição Cuide de você (Sofie Calle) - Calle faz do limão (a perda amorosa) uma limonada (embora ácida) fácil de apreciar.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Entrevista para o Saraiva Conteúdo

27 de Janeiro de 2010
Por Ramon Mello

Em tempos de MP3, há quem dispense o shuffle para ouvir música no rádio. Diferente dos moderninhos, o jornalista Leonardo Davino mergulha no universo da Música Popular Brasileira através das ondas do rádio, analisando letra e música.
Brincando com o acaso, ele idealizou o projeto/blog 365 Canções, um espaço “para fazer comentários (breves e leves)” sobre a primeira canção que ouvir no dia. Sintonizado na MPB FM (90,3), Davino faz a contagem regressiva de 2010 ao som de poetas da canção como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil.
No blog, cada post está relacionado à letra de uma música e, às vezes, a um vídeo com a interpretação do cantor. Pode ser um trecho do histórico show do Secos e Molhados nos anos 70. Ou, um clipe do Lenine. Tudo depende do acaso.
Paraibano radicado no Rio de Janeiro (ou “parioca”, como gosta de dizer), Leonardo Davino é Mestre Literatura Brasileira com Pesquisa sobre Canção e Teoria da Literatura. E, ainda, possui uma pesquisa sobre a obra de Caetano Veloso. 365 Canções, sem dúvidas, pode se tornar um belo livro. Ouça:

Você ouve rádio diariamente?

Leonardo Davino - Sim, tanto para ouvir as "novidades", quanto para perceber como algumas canções permanecem enquanto outras somem. Seja pelo celular, no aparelho de som de casa, ou no micro (na maioria das vezes), quando não tenho um disco específico para curtir, ligo o rádio e me deixo à sorte.

Como surgiu a idéia do projeto 365 Canções? É uma referência ao livro 31 Canções, de Nick Hornby?

Davino - Não há nenhuma referência ao livro de Nick Hornby. No caso dele, ao que me parece, há uma questão de gosto, na escolha das canções. No caso do meu projeto 365 canções o que acontece é a total aleatoriedade. Mas é engraçado você citar o Hornby, pois comecei a ler Frenesi polissibálico, outros textos me desviaram dele, e não consegui terminar.
Um leitor do projeto perguntou se haveria (também) alguma referência ao filme Julia & Julie. Respondi que não pois, mesmo tendo o conhecimento das questões do filme, eu ainda não o havia assistido na época de montar o projeto.
De fato, o desejo surgiu exatamente da vontade de me testar diante da surpresa das canções que surgirem. Sair da zona de conforto na qual, muitas vezes, nos colocamos e refletir sobre peças que, talvez, pela questão do gosto, eu não fosse parar para pensar.

Como as tecnologias interferem no mercado musical? É uma vantagem para o público ou o artista?

Davino - Hoje não se precisa mais comprar um disco para curtir uma canção, a não ser os colecionadores e os fãs. Basta comprar apenas a música de desejo e pronto: cada um monta sua trilha sonora particular. Paralelo a isso, sem dúvidas, a relação entre o público e o artista ficou muito mais fácil, no sentido de mais próxima e acessível. As possibilidades são enormes. Assim como as possibilidades de feitura e de divulgação de um trabalho.
E, acredito, em um futuro próximo, a renda do artista virá das apresentações e dos produtos paralelos ao disco propriamente dito. Porém, não saberia precisar o nível de vantagem ou desvantagem para cada parte envolvida, apesar de pensar que o público tem certos ganhos. Sei que há mudanças e as gravadoras estão se mobilizando.

Por que pesquisar a Música Popular Brasileira?

Davino - Pela riqueza absurda dos nossos cancionistas. Há um manancial incomensurável para ser estudado. Além disso, desde a graduação em Letras na UFPB, quando fiz parte de um Projeto de Pesquisa chamado O neobarroco em Caetano Veloso, orientado pelo competente professor Dr. Amador Ribeiro Neto, descobri que meu objeto seria a canção.
Importa dizer ainda que sou do interior da Paraíba, cresci ouvindo os desafios dos repentistas no rádio da minha avó paterna. Sempre fui curioso para entender o malabarismo do texto com a melodia. Mais tarde entrei na faculdade e tive o privilégio de fazer parte dessa pesquisa.

Você é mestre em Literatura Brasileira, com pesquisa sobre Canção e Teoria da Literatura. Sua especialização é em Caetano Veloso? Por quê?

Davino - Sim, pesquiso a obra de Caetano Veloso desde a graduação. A obra de Caetano, com seu projeto tropicalista e por apresentar ao ouvinte-leitor personagens e temas híbridos e abertos às leituras diversas, me oferece a possibilidade de manter o "olho livre", como sugeria Oswald de Andrade. Dito de um modo geral: encontro na obra de Caetano referências de vanguarda e "cafona", o que é um forte estimulante para mim, enquanto pesquisador, pois não me deixa cair em preconceitos e/ou academicismos.

Você acredita nas profecias sobre o fim da canção?

Davino - Acredito, como falei, nas mudanças no modo de feitura e de acesso à canção. Aliás, acredito tanto nisso que pesquiso canção e meu projeto de doutorado tematiza exatamente a produção de canção na era da mobilidade. Penso junto com o semioticista Luiz Tatit, ou seja, enquanto existir gente falando, haverá canção. Obviamente, os temas e as estruturas mudam junto com o tempo que passa, mas a canção não morre.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Sessão de autógrafos


Travessa 1
Travessa do Ouvidor, 17
25/02
17h30

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Aqueles quatro

Caio Fernando Abreu é um autor bastante conhecido. Infelizmente, alguns de seus textos ganharam sofríveis adaptações para cinema e teatro. Salvos a memorável “Dama da noite”, criada por Gilberto Gawronski e a peça “Aqueles dois”, da Cia. Luna Lunera.
“Aqueles dois”, do livro Morangos mofados, é um conto excepcionalmente machadiano, com estruturas, ironias e insinuações trabalhadas para deixar nas mãos do leitor a tarefa de fechar a questão. O texto trata da relação entre Raul (moço do norte que tem um sabiá chamado Carlos Gardel) e Saul (moço do sul, com seu livro de reproduções de Van Gogh), tendo como pano de fundo São Paulo e uma repartição pública: “um deserto de almas”.
Mas, como em Machado de Assis, neste conto de Caio Fernando, o mais desafiador estar em perceber as sutilezas formais do texto do que em responder a débil pergunta se Raul e Saul são mais do que amigos. Afinal, quais são os limites da amizade?
Os principais êxitos da adaptação são: o entendimento do universo criado pelo autor e a interpretação consciente dos quatro atores em cena: Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves e Rômulo Braga. Os quatros assinam a direção e a dramaturgia, junto com Zé Walter Albinati. O resultado é um trabalho honesto e competente. Os atores se revezam na interpretação das duas personagens (nenhum dos quatro sai de cena), estabelecendo uma leitura e apresentação plural das ações, dinamizando as situações e embaralhando a percepção do público, como o texto faz com o leitor.
O cenário merece atenção e destaque. Tendo como base um tatame cercado por inúmeros objetos, que são manipulados ora para montar o ambiente doméstico de cada personagem, ora para impor o desértico espaço da repartição, ele nunca fica vazio. Há sempre resíduos de um lugar interferindo no outro, sugerindo a luta psíquica e física enfrentada por Raul e Saul. Os figurinos são funcionais e a trilha sonora é exata.
Em um trabalho cercado de tantos cuidados, mas, ao mesmo tempo, tão despojado em sua totalidade e capacidade de transmitir a história (com o aspecto de um grande ensaio aberto), não dá para deixar de elogiar, mais uma vez, a competência dos atores-diretores. O conto de Caio Fernando Abreu é demasiado humano (com avanços e recuos). A peça capta e entrega ao público o humano contido no texto, mas, e aí reside a beleza das boas montagens, a peça “Aqueles dois” amplia a engenhosidade do texto.

Texto publicado no Jornal A União em 30/01/2010
E no site da Secretária de Cultura do Rio:
http://www.cultura.rj.gov.br/artigos/aqueles-quatro

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Sherlock Homes - Humor e ação a serviço de um personagem clássico.
= Filme Amor sem escalas - Atual e com roteiro bacana.
= Filme Chèri - A cenografia, o trabalho de arte e o figurino são incríveis.
= Show Todos Dominguinhos (Flávia Bittencout) - Uma bela homenagem ao mestre.
= Dança Boca do lobo (Cia. Renato Vieira) - Renato Vieira e Bruno Cezário assumem o risco de, através do brilho apolíneo, revelarem a pulsão dionisíaca de todos nós.
= Peça Macbeth - Ver Renata Sorrah em texto clássico é sempre um deslumbre.
= Peça Carmen, o it do Brasil - Honesta tentativa de homenagear nossa grande estrela.
= Exposição José Patrício: o número - Excelente trabalho visual. Até 07/03, na Caixa Cultural.
= Livro Cabeça a prêmio (Marçal Aquino) - A melhor narrativa policial(!) que já li. Forma e conteúdo em perfeito equilíbrio.