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segunda-feira, abril 29, 2013

Pretérito imperfeito


Paul Valéry afirmou que “o futuro não é mais o que era”, relativizando nossas certezas. Se o passado, que é o único tempo que existe, ou sabemos existir, porque lá já estivemos, está perdido e o futuro deve ser o que no passado era apenas uma promessa, somos no presente – perfeito ou imperfeito – aquilo que foi sonhado pelos que estiveram no passado. Em Pretérito imperfeito Bruno Lima adensa essas complexas relações do indivíduo com o tempo que não para. Entre esquecimentos e lembranças, os sujeitos líricos expõem experiências íntimas e projetam esperanças para um futuro que, se diferente do que era, ao menos sagre os desejos e as angústias que ainda não foram (nem serão) digeridos.
Sempre no tempo afetivo e contínuo, as vozes que em Pretérito imperfeito cantam parecem saber que a indeterminação e a incerteza são os únicos absolutos em uma vida grávida de transformações e de portas que só se abrem por dentro, mesmo afetadas pelas técnicas de fora. E assim se esboça uma poética do fluxo. E os poemas se conectam para forja auras (almas) que individualizam – no mundo das palavras operárias – o pulso que ainda pulsa tanto no sujeito lírico, quanto no indivíduo ordinário de um mundo desmemoriado e sem cais.
Não se pense, porém, que toda essa ambiência estética esteja a serviço de textos tristes que tentam, na (retro)visão negativa, limpar e aperfeiçoar o passado. O que Bruno Lima elabora é um relicário das muitas marcas de imperfeição que fazem alguém ser aquilo que se é: poesia.

sábado, abril 27, 2013

Reality

Mais do que um filme sobre um programa de TV, Reality trata da nossa paranóia por vigilância - auto e alheia. E por isso vai fundo no desdobramento das questões lançadas por George Orwell, em "1984".
Diretor de "Gomorra" (2008), Matteo Garrone exercita uma crítica ao desejo por fama midiática que parece existir como elemento fundador do sujeito comum contemporâneo.
Na ansiedade de ser chamado para entrar no programa de TV, Luciano (o excelente Aniello Arena) entra numa viagem de hiper-auto-vilígia deixando se enredar em situações tão absurdas quanto verossímeis.
A câmera aos moldes de um reality faz com que tenhamos a sensação de assistir a um "filme dentro do filme", o que é adensado na progressiva (des)reconstrução da personagem de Aniello.
Ao final volta a ontológica pergunta retórica: por que na Ítalia o programa se chama "Grande Fratello", na Argentina se chama "Gran hermano"... e no Brasil se chama "Big Brother"?

quinta-feira, abril 25, 2013

À beira do abismo me cresceram asas

A peça À beira do abismo me cresceram asas é um espetáculo comovente e sincero. A atuação aristocrática de Maitê Proença se equilibra à perfeição com o trabalho cênico despojado de Clarisse Derzié Luz. Ambas mais atentas em expor a "alma" das personagens, do que na criação das caricaturas de duas velhas-meninas exiladas em uma "casa de repouso". Felizmente. Assim podemos entrar em contato com um texto bem urdido, feito mesmo para expressar as emoções que carregamos por uma vida toda.
Maitê e Clarisse se equalizam porque sentem e transmutam em ação duas personagens de personalidades tão diversas quanto complementares: uma amargurada, outra querendo ainda beber as glórias das coisas mais simples da vida. Ambas meninas-velhas com motivações diversas e honestas para serem como são.
O figurino de Beth Filipecki, o cenário de Cristina Novaes e a luz de Jorginho de Carvalho ajudam na composição de um clima neo-romântico - um pensar despretencioso sobre utopias e ideologias - à encenação. A direção de Clarice Niskier e Maitê Proença sabem utilizar bem tais recursos no aprofundamento das questões discutidas em cena.