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segunda-feira, março 25, 2013

Carmen Miranda - uma ópera da imagem



Aquilo que os móbiles bem executados sustentam são tensões flutuantes. Equilibrando tais tensões no ar, o móbile resignifica o peso dos objetos e, consequentemente, dos sujeitos. "Simples e suave coisa / Suave coisa nenhuma / Que em mim amadurece", como cantou o grupo Secos e molhados; "Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania", como escreveu Clarice Lispector.
À mercê do vento, os móbiles apontam calmarias, sem deixar de significar e justapor signos de elementos vitais ao humano – à história, aos afetos deste. Feitos para tencionar tais signos, o móbile parece presentificar virtualmente – para fora do pensamento do indivíduo – os artifícios de uma poesia haikai, posto que condensa e prolifera, também pensamentos.
Se aproximarmos nossa reflexão ao pensamento Eisensteiniano sobre montagem e procedimentos, podemos dizer que a eficácia de um móbile está na 'naturalidade' com que dois ou mais elementos opostos e em conflito se amalgamam no fio teso no ar. Ou seja, essa sensação de frágil soltura promovida no móbile combina – não soma, conceitua – objetos de conceitos concretos para formar uma apreciação abstrata de algo, ou de alguém, transformando o exótico em óbvio. E vice-versa.
Isso é para falar da lindeza que é a instalação sonora CarmenMiranda - uma ópera da imagem, que Laercio Redondo expõe até 05 de maio na Casa França-Brasil (Rio de Janeiro), dentro da exposição Contos sem reis, sob a curadoria de Fred Coelho.
A eficácia e o encanto da instalação vão da seleção e combinação dos objetos de cada móbile até a ambiência clara/asséptica do espaço expositivo (um todo-orgânico em movimento), passando pela re-apresentação de Carmen Miranda como escultura sonora bailante: signo aglutinador dos resíduos imagético-afetivos de brasilidade.
No resultado, Carmen está e não está. Ela é corpo e fantasma. Ela é no cacho de uvas de plástico e na mosca-joia que orna o cacho. Ela é na pluma, na folha de palmeira (onde o sabiá é ela) e no limão siciliano. Ela é ela no som-alma.
Laercio suprime, reordena e harmoniza Carmens, em procedimento que evoca a voz da cantora vocalizando: "Cai, cai, cai, cai / Eu não vou te levantar / Cai, cai, cai, cai / Quem mandou escorregar". Há sensação de ser móbile maior que estes versos na voz de Carmen?
Ensaio de étnico-estética, Carmen Miranda - uma ópera da imagem (2010) é uma list song – tipo tão comum a Carmen cantora – que solapa e sustem, reflete e refrata os balangandãs que o tabuleiro da baiana tem: fragmentos de memórias na iminência de um chica chica boom chic.

quinta-feira, março 07, 2013

Aos nossos filhos

De um lado uma filha lésbica (Laura Castro), prestes a ser mãe, pois a companheira está grávida por inseminação artificial. Do outro lado uma mãe (a diva Maria de Medeiros), ex-exilada, ex-guerrilheira, que apesar de todas as dificuldades da vida clandestina e errante, nunca deixou de oferecer a filha uma figura paterna. No meio, unindo e separando as personagens, um embate cheio de ressentimentos, mágoas e verdades individuais. Emoldurando tudo, um cenário (Rodrigo Cohen) que ora remete a um espaço desértico ampliador da disjunção entre as partes, ora lembra um colóquio grego. O vinho está lá, mas não chega a desautomatizar as personagens. Ao contrário. Ambas se concentram na defesa doída de seus sentimentos, escolhas e ações. O bom e velho conflito de gerações em um texto (Laura Castro) excepcional. Liberal, a mãe não entende que a filha queira gerar um filho sem pai. Careta, a filha se ressente tanto das ausências da mãe psiquiatra, quanto do excesso de liberdade. Inspirada na canção "Aos nossos filhos", de Ivan Lins e Vitor Martins, a peça homônima dirigida por João das Neves é um libelo à certeza de que não há uma verdade única, fechada em si: as motivações para cada um ser o humano que é, da melhor forma possível, são variadas e multifacetadas. E o diálogo ainda é a melhor forma de aparar arestas e equilibrar amor e dor. Sob o piano ao vivo de Filipe Bernardo, auxiliado pela luz (Paulo César Medeiros) e figurino - greco/clássico da mãe e romântico/formal da filha, o jogo cênico se empenha em atiçar memórias, afetos e vontade de acertar, de ser a melhor mãe que podem para seus filhos.