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quinta-feira, abril 29, 2010

A urgência do instante

Dentre as efemérides da celebração pelos 50 anos de Renato Russo, o livro “Como se não houvesse amanhã” – coletânea de contos inspirados nas canções da Legião Urbana, organizada por Henrique Rodrigues – é uma boa homenagem ao cantor e compositor.
Todos os vinte contistas são, assumida e sensivelmente, fãs banda que ainda hoje mantém aficionados. A angústia produtiva e a inadaptação ao mundo, que atravessavam as canções também direcionam as tentativas de traduções interssemióticas do livro. Mesmo que as canções sejam uma referência distante, ou que versos apareçam diluídos nos textos, a lição de Renato foi introjetada.
Desde “Será”, de Daniela Santi, que abre o livro com lente hitchcockiana e persegue o amadurecimento prematuro, através de dramas sem motivos aparentes, de uma jovem estudante, até “Sagrado coração”, de Maurício de Almeida, de teor confessional, há algo que mina,
falta e jorra. Um remexer intenso e vazio nas caixas da memória.
O gozo erótico fica no plano escritural, pois a fisicalidade diegética está sempre fraturada. “Um corpo morto não goza”. Os sujeitos se paralisam diante dos convites e intimações da existência. Delírios, separações e sêmen no chão dão o tom.
A ausência de verdade, ou a proliferação exagerada delas, é uma das musas das canções da Legião Urbana. Buscar, dentro do sereno da madrugada, exaspera o querer do sujeito, como mostra o conto “Sereníssima”, de Ramon Mello. Há, aqui, um grito de alerta e a procura da palavra mais certa para dizer o indizível.
Este conto, aliás, é uma “ode” à canção popular. Muitas tessituras sonoras se cruzam, como os caminhos cruzados das personagens. A cama é tatame, o fracasso é relativizado pela inscrição do desejo amoroso e os atos são desenhados sobre acordos íntimos desbotados. O sujeito, exasperado, canta o eterno retorno do fim.
Para o bem e para o mal, o desespero, a ansiedade (adolescente) e o enfado diante do mundo provocam as ranhuras doídas e insofismáveis das canções da Legião Urbana e, consequentemente, dos contos. As personagens sem nomes próprios adensam o desejo de atingir o inconsciente do ouvinte-leitor e a intimidade é, por vezes, conseguida.
“Como se não houvesse amanhã”, com as irregularidades que marcam qualquer coletânea, é uma boa amostra sintomática de uma geração cuja certeza passa pela sabedoria de que algo se quebrou e está se quebrando.

Texto publicado no Jornal A União em 29/05/2010

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:


= Filme - Alice in the Wonderland - Não vi os créditos para as traduções de Augusto de Campos, mas o filme, um recorte bacana das histórias, é muito bem feito.
= Filme - Shutter Island - Mais um título brasileiro ridículo (Ilha do medo), para um filme bem armado.
= Filme - The box - Roteiro confuso para uma ideia forte.
= Filme - Did you hear about the Morgans? - Rende umas risadas aqui e ali.
= Filme - The men who stare at goats - Excelente e desbundado roteiro. Além das atuações brilhantes.
= Filme - Histórias de amor duram apenas 90 minutos - Um dos melhores filmes brasileiros de agora. Maduro, bem acabado e com enredo empolgante.
= Filme - Chico Xavier - Um roteiro de "novela das seis", mas que merece ser visto pela história de Chico.
= Filme - The road - Denso e pessimista (ao ponto).
= Filme - From Paris with love - Ação e humor (quase) em harmonia.
= Filme - The bounty hunter - Rende algumas risadas.
= Peça - Vicente celestino: a voz orgulho do Brasil - Impecáveis interpretações e um musical à altura do grande mestre.
= Peça - Dona Otília e outras histórias - Leve e precisa como um encontro casual em uma floricultura.
= Peça - Acorda, Zé! - Cenografia, figurino e atuações em perfeita sincronia.
= Peça - Fronteiras - Filosofia em cena.
= Dança - P.P.P. de Philippe Ménard - Performance aterradora fora a liquefação das certezas.
= Dança - Trittico do Balletto Dell'Esperia - Bonito de se ver.

segunda-feira, abril 26, 2010

Viradão Carioca 2010

Rita Ribeiro
24/04
18h
Praia do Leme





Sandra de Sá
24/04
20h
Praça XV





Paula Toller
24/04
22h
Cinelândia





Milton Nascimento
25/04
21h
Praça XV




segunda-feira, abril 05, 2010

Coleção Raízes da MPB

São 25 livros-CDs de compositores que representam
o nascimento da expressão musical brasileira,
contemplando suas biografias,
influências musicais e repertório.

Acesse:
http://raizesmpb.folha.com.br/

Já nas bancas!

quinta-feira, abril 01, 2010

Poemúsica ou Showversa

O Instituto Moreira Sales abrigou no recente 29/03 uma noite memorável, tanto para quem curte/estuda poesia, quanto para quem curte/estuda música e canção.
O evento Poemúsica reuniu Augusto de Campos, Cid Campos e Adriana Calcanhotto em uma celebração cerebral, corporal, visual e vocal da palavra feita canção.

Através de uma showversa, Augusto apresentou como as inovações da Poesia Concreta fizeram a cabeça sonora dos compositores contemporâneos brasileiros e vice-versa.
Augusto lembrou que a Poesia Concreta começou com música, pela ênfase no canto não "operístico" e pela substituição da declamação pelo que os concretistas chamaram de oralização.
Não é segredo para nenhum interessado no assunto que Webern, Schönberg, Berg, Cage e Varèse por exemplo, fizeram parte do paideuma dos concretistas. Mas Augusto destacou ainda a dicção de Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa como "autores" básicos para a construção da filiação musical do movimento. Além de Billie Holiday, Dizzy Gillespie e Miles Davis, que fizeram da chegada de João Gilberto à cena cancional um júbilo de certezas.
Ou seja, Poesia Concreta pode sim ser ouvida, falada ou cantada. Contrariando alguns detratores de primeira ordem, Caetano Veloso, que segundo Augusto de Campos (em referência a uma fotografia em que Caetano aparece sombreado na cabeça de Augusto) "radiogravou" a intenção do poeta concretista ao cantar o poema "Dias dias dias" (1973) com a ênfase no som (polivocal) e nas citações metalinguísticas de Webern e Lupicínio.

Mais tarde, em 1975, Caetano reafirmaria a mirada sonora da Poesia Concreta ao gravar "O pulsar". Poema que regravaria outras vezes, inclusive ao vivo.
Sistematicamente, o trabalho de Cid Campos é a melhor tradução sonora da Poesia Concreta. O disco Poesia é risco, não me deixa mentir.
Mas, voltando a Poemúsica, os três poetas apresentaram a bela interpretação de "O verme e a estrela". Poesia de Pedro Kilkerry que está registrado no disco A fábrica do poema, de Adriana Calcanhotto. Aqui, graves e agudos se sobrepoem e dialogam buscando alcançar o eixo da mensagem de Kilkerry.

No momento Arnaut Daniel, Adriana cantou ao modo medieval uma bela canção - "Canção de amor cantar eu vim" - do poeta (conhecido pelas estruturas rítmicas e rímicas inventivas), fazendo a frequente questão - letra de música é poesia? - caducar. A sofisticação de Adriana deu a leveza exata à canção.Obviamente, Ezra Pound não poderia ficar de fora; e muito menos Herman Melville (com Calcanhotto tirado o "canto da baleia" do Cello).

"Sem saída" poema de Augusto, cantado por Calcanhotto no disco Maré, foi apresentado com citações e referências à "It's a long way", de Caetano Veloso. Afinal, sem saída é it's a long long long long way.

O momento Lewis Carrol, em que Augusto, Adriana e Cid apresentaram as traduções de Augusto, para a obra do escritor, foi a mais encantadora. No sentido de que a persona Partimpim de Adriana (quase) se fez presente. "O mocho e a gatinha" e "Canção da falsa tartaruga" foram interpretadas com cuidado estético e graça. Além de "Alface", tradução de Augusto para poema de Edward Lear.

Emily Dickson e Janis Joplin, entre outros, também foram lembradas e identificadas com a Poesia Concreta.

Por fim, ficou a confirmação de que a informação musical formou a poesia que pretendia ser “verbivocovisual” (expressão do Finnegans Wake, de Joyce).
Em um momento em que as produções (acadêmicas, ou não) sobre canção não param de aumentar, ouvir Augusto de Campos lembrar pontos (comodamento esquecidos) da história de nossa poesia e de nossa canção é fundamental e iluminador.
A união entre poesia experimental e música (para além da letra com a melodia) , oxalá, ainda renderá outros bons trabalhos e momentos como este do Poemúsica.
Quanto a Augusto, como ele próprio registrou, como disse Schönberg, “a melhor forma de entender a minha música é: esqueçam as teorias, o dodecafonismo, a dissonância e, se possível, a mim mesmo”.