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segunda-feira, julho 14, 2008

Perversos são os outros

Semana passada tive a oportunidade de assistir a uma palestra da historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco num auditório da UERJ, superlotado, com pessoas sentadas até ao redor da mesa.
Abordando o tema “Perversão e homossexualidade”, Roudinesco traçou o percurso da perversidade na história, mostrando como a questão sempre esteve ligada ao sexo e ao desejo homoerótico, já que neste tipo de relação não há a procriação, considerada a séculos nas culturas predominantes (incluindo religiões) a “finalidade sublime” do sexo.
Mas para a psicanalista, a perversão de fato são as relações onde há a negação do outro enquanto sujeito. Nesse sentido ela destaca o pedófilo como “o grande perverso” de nossos tempos, uma vez que ele nega ao seu “objeto de desejo” o direito de escolha. Sublinhando a relatividade na questão, Roudinesco lembra que quase todos os crimes que levaram o Marques de Sade à prisão não seriam considerados tão graves hoje.
Formada também em Letras, a historiadora usou exemplos de textos literários, citando, entre outros, o livro “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Para ela, uma fábula sobre o extremo da perversão, pois mostra alguém bonito e bom metamorfosear-se completamente. Mesmo sendo avesso à “análise psicanalista” da obra literária, não pude deixar de me impressionar pelas lúcidas questões que Elisabeth lança sobre os personagens de Genet, Proust e Wilde, como exemplo da perversidade da linguagem e a forma “perversa” que a utilizamos para realização do desejo nosso de cada instante.
Por fim, Roudinesco, que veio ao Brasil lançar seu 11º livro "A Parte Obscura de Nós Mesmos - Uma História dos Perversos", e foi uma das estrelas da FLIP, destacou a importante contribuição dos grupos gays e das “liberdades” pós 60 para impor aos psicanalistas o estudo de tais temas. Penso que para todas as áreas do saber.
Assim, longe da “incompetência crítica” apontada pertinentemente por Daniel Sampaio, sem sua coluna no jornal A União, em alguns comentários sobre literatura, Elisabeth Roudinesco alertou contra o medo de lidar com o “diferente” e o “novo”, indicando o estudo para além da mediocridade diante da complexidade da existência.
Se eu pudesse resumir as investigações da historiadora sobre perversão em poucas palavras, relembraria uma frase de Jean-Paul Sartre que diz: “admiro como alguém pode mentir pondo a razão do seu lado”. Mas não posso, não devo fazê-lo, isso não acontece.

* Texto Publicado no Jornal A União 12/07/2008.

Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

= Filme Wall.E – Filme para adulto com técnica impecável. Difícil não se apaixonar pelo robô que tem um desenho gráfico tão parecido com o E.T. de Spielberg. Prestar atenção aos créditos, finais. Ainda aí é possível perceber o cuidado com que o filme foi concebido.
= Exposição Mulheres Reais – A exposição que ocupou a Casa França-Brasil é, sem dúvidas, uma das melhores que já vi. Tudo era incrivelmente pensado e interligado. Os criadores conseguiram (re)compor ambientes que colocavam o visitante "dentro" do tempo da família real aqui no Brasil.
= Até dia 20/07 tem Anima Mundi, aqui no Rio.

quinta-feira, julho 03, 2008

A Novela Educa

Nasci no final de 1978, por isso não tenho noção do impacto da estréia naquele ano de “Dancin’Days”, considerada como obra-prima de Gilberto Braga. Conto isso porque, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, semana passada, Braga revelou que foi aí “a primeira vez que a elite se viu na TV” (!).
Muito a propósito, li no programa de uma série de encontros promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, intitulada “Eu vejo novela”, que “de um gênero alienante, a telenovela brasileira evoluiu e trouxe para suas tramas as contradições sociais”.
Pergunto-me se quando incorpora o “real” a novela deixa de ser alienante mesmo e em que medida isso é positivo para a obra. Pois, se querem afirmar a novela como gênero artístico digno de análises acadêmicas, como está no programa da série do CCBB, penso que seja importante primeiro definir qual é o objeto artístico da novela.

Particularmente, não tenho a resposta, caro leitor. Mas, por hora, cabe lembrar Sergei Eisenstein quando disse que não é refletindo a realidade tal como ela é que se conseguem os melhores efeitos em arte.

Voltando a questão inicial, pergunto-me se o Brasil se vê nas telenovelas, como sugeriu Gilberto Braga. Ou, o que é mais difícil de responder, se o Brasil precisa se identificar nas novelas que nossas emissoras produzem.

Como exemplo, recentemente esteve no ar uma novela, pretensamente realista, que tratava o chefe de uma milícia de favela (onde todos se vestiam bem e tinham casas até mesmo luxuosas) como figura digna de exemplo social, interpretada pelo ator principal da produção. No mesmo momento em que os jornais mostravam a batalha sangrenta que ocorre nas favelas do Rio entre seus moradores carentes, milicianos e polícia. Já, noutro canal, temos uma novela sobre mutação humana que, longe de ser “apenas” alienante, afronta a nossa inteligência.

Penso, porém, que cada povo cria suas necessidades estéticas e, como profissional de Letras, percebo que a novela é o maior referencial de literatura no Brasil, senão o único, para grande parte da população. Assim, feita para educar ou não, a novela educa e são essas contradições que fazem da novela um objeto que merece a atenção da academia, além da pluralidade de enfoques, que diz muito da nossa cultura.


* Texto publicado no jornal A União/PB em 28/06/2008.


Entre outros, ouvi, vi e li, por estes dias:

+ Filme HulkDesta vez o verdão mais parece um kingkong, que anoitece no Brasil e amanhece na Quatemala, correndo. Destaque para a presença de Lou Ferrigno, que fez o "Hulk" da série de TV e aparece como porteiro de um edifício, numa rápida seqüência do filme.
+ Show Comportamento Geral (Daniel Gonzaga) – Na tentativa de "recriar Gonzaguinha no palco", Daniel cai na diluição vocal e em interpretações pra lá de "coladas" no estilo do pai.
+ Livro A utopia brasileira e os movimentos negros (Antonio Risério) O autor faz uma interpretação apurada, aprofundada e iluminadora do chato "politicamente correto" que impera nos nossos dias. Ele mostra como, quando querendo ser policitamente corretos, cometemos graves inadaptações de conceitos e atitudes, pela simples falta de conhecimento da história. Imprescindível!