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quarta-feira, janeiro 30, 2008

Cadê a dança que deveria estar aqui?

A Cia Corpos Nômades (SP) esteve no Rio para apresentar “Algum Lugar Fora do Mundo”. Sob direção e coreografia de João Andreazzi, o espetáculo propõe unir diversos segmentos da arte, como dança, teatro, vídeo, literatura e música. Já na abertura do espetáculo, que acontece já na sala de espera do teatro, o público entra no clima através da aproximação verbal e tátil com o elenco.
É sempre estimulante assistir a um espetáculo que usa o diálogo entre as diversas linguagens da arte como base criativa. Ainda mais quando no release afirma-se que os movimentos e atuações são inspirados em trechos das obras de Fernando Pessoa, Rimbaud, Baudelaire e Cocteau.
Porém, o que se vê é uma confusão de gêneros, sem um fio condutor que guie o espectador. Aliás, o público é convidado, por vezes intimado, a subir ao palco e entrar em cabanas de camping. Numa referência ao nome da encenação, em cada cabana – ou relicário, como diz o texto de apresentação –, acontecia um espetáculo particular. Algo realmente interessante, se fosse bem desenvolvido. Não foi o caso.
Para os que ficam na platéia, a impressão é de um amontoado de cenas isoladas que não resultam em um todo. A curtição fica só para os que entram nas cabanas e o curto espetáculo termina inesperadamente, com o público apreensivo sem saber se já era hora de aplaudir.
Não se sabe, ao final, qual é a proposta artística, apesar de se tratar de uma companhia de dança e algumas técnicas utilizadas neste campo serem realmente eficazes. Prova de quanto é complicado romper os limites que separam um gênero do outro.
Um espetáculo híbrido, tão caro a arte contemporânea, quando não é bem compreendido por quem o faz, resulta na perda do objeto e se esvai em simples sucessões aleatórias de cenas e imagens desconexas. E quando o objeto se perde, perde-se a arte.
O espectador-participante pode até fruir e deleitar-se na “vivência”, mas sairá do contato da mesma forma que entrou. Experimento artístico - justificativa comumente utilizada por muitos grupos para suas atuações - é o compromisso de ser sempre provisório e eternamente mutável, mas pautado na consciência e domínio das linguagens que se pretende dialogar. Desejo rever a Cia, que, pelo histórico, sempre procurou desenvolver um trabalho sério e de pesquisa.

Morreu esta semana o artista plástico Rubens Gerchman. Há 40 anos sua tela “A Bela Lindonéia”, também conhecida como “Gioconda do Subúrbio”, inspirou o bolero “Lindonéia”, composto por Caetano Veloso e Gilberto Gil e interpretado por Nara Leão, no disco-manifesto do movimento tropicalista.
“Lindonéia” faz referência à ditadura militar brasileira e às pessoas desaparecidas neste período. O olhar da moça na tela tenciona algo entre o susto e a irritação. "Um amor impossível - a bela Lindonéia - de 18 anos morreu instantaneamente".
Fica aqui o registro.
Aliás e a propósito, “Lindonéia” foi regravada agora, com novo arranjo, por Fernanda Takai (Pato Fu), em seu excelente disco solo "Onde brilhem os olhos seus". Vale a pena conferir!

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Aniversário com Cinema e Teatro

No último fim de semana assistimos “Dans Paris”. Terceiro longa-metragem do francês Christophe Honoré, o filme é uma delicada e masculina investigação do amor fraternal.
É importante não se deixar enganar pelos primeiros minutos do filme, que mostram o fim de um relacionamento. A abertura incômoda é apenas a justificativa para o que vem a seguir: uma linda homenagem à Nouvelle Vague de François Truffaut, na forma da história de dois irmãos.
Paul (o ótimo Romain Duris, de “Albergue espanhol”) acabou de sair de um casamento. Romântico, não sabe lidar com a perda e volta para a casa do pai (Guy Marchand), o chefe de família tão amoroso quanto desajeitado em demonstrar seu amor. Paul passa a dividir o quarto com seu irmão Jonathan (o inspiradíssimo Louis Garrel, de “Os Sonhadores”), que se envolve facilmente em conquistas amorosas.
A tristeza de Paul contrasta com a alegria de Jonathan, que resolve fazer de tudo para resgatar o irmão de seu estado melancólico. É aí que o filme estabelece a questão do amor incondicional entre os dois, o que move toda a história. Mas não há nada de convencional nela.
O filme é sobre as relações dos homens entre si e as formas de se demonstrar carinho no universo masculino. Sobre parceria e cumplicidade. As mulheres, sem que isso nunca seja depreciativo, são apenas coadjuvantes. O que importa ao filme são os personagens masculinos e a sutil relação entre "a leveza da forma e a profundidade da palavra".

Outro programa legal no fim de semana foi assistir à peça “A Mandrágora”, montada pelo grupo TAPA, que fica em cartaz, a preços populares, no Teatro de Arena da CAIXA Cultural apenas até este final de semana.
O texto foi escrito em 1503 e publicado pela primeira vez em 1524, por Nicolau Maquiavel. Ele construiu uma trama em que a conquista amorosa, com suas urgências e exaltações, servem como pretexto para desenvolver um tratado prático e saboroso sobre estratégia política, sobre a arte de envolver, manipular, convencer e, por fim, conquistar um objetivo.
Trata-se da história do jovem florentino Calímaco, interpretado por Rodrigo Lombardi – uma boa surpresa para quem conhece apenas seus trabalhos na TV -, que por conta de uma aposta com seu criado Siro (Brian Penido Ross), conhece e passa a desejar furiosamente uma mulher casada, Lucrécia (Patricia Pichamone), que não consegue engravidar de seu marido, Messer Nícia (o excelente Guilerme Santanna). Para conquistá-la, Calímaco usa da ajuda de um embusteiro (Sergio Mastropasqua), de um frei sem escrúpulos (Charles Myara) e da mãe de Lucrécia (Suely Franco), fingindo-se de médico que prescreve um tratamento a base de mandrágora, uma planta afrodisíaca.
O eco da frase do próprio Maquiavel, "Os fins justificam os meios", ressoa durante toda a peça. A partir deste mote, surgem os estratagemas para enganar o tal marido. Percebe-se, pela reação da platéia, o quanto de cartase há em assistir alguém ser ludibriado. Acostumamo-nos com isso. O "meu" desejo deve estar acima de tudo. E tudo é válido para alcançá-lo. É claro que na peça tudo é "justificado" pela personagem ímpar do tal marido, que mais de um século depois poderá ser encontrado em várias comédias de Molière, como o "Burguês Ridículo", etc...
"A Mandrágora" é considerada um marco no teatro ocidental. Mesmo que o diretor Eduardo Tolentino tenha pesado a mão na chanchada, vale a pena conferir esta montagem de um grupo teatral que sempre prima pelas boas escolhas dos textos. Aliás e a propósito, Bárbara Heliodora também recomendou a peça em sua crítica semanal, em O Globo.

Dia 17/01 este blog completou seu primeiro ano no ar. Gostaria de agradecer muitíssimo àqueles que passam por aqui toda semana, ou de vez em quando, ou quase nunca, para dar uma conferida. Muito grato.
Sobre a questão de manter-se contemporâneo, mesmo com o passar do tempo, coisa que tenho pensado por estes dias... quero transcrever a resposta que a diva Rita Lee deu a Arnaldo Antunes quando perguntada “onde fica sua fonte rejuvenescedora”: Fico longe de shopping centers, não acredito em cremes de beleza, fujo de médicos, nunca votei no Maluf, não como cadáveres de animais e desconfio de quem fala muito em Jesus.
Pode ser!

segunda-feira, janeiro 14, 2008

2008 começou!!!

Depois das festas de fim de ano é hora de recarregar as energias nos dias de sol à pino do verão carioca. Passados os fogos - e os tiros - do Reveillon de Copacabana, o ano começou com o pé direito.
Fomos assistir ao show da cantora Rosa Passos, no Teatro Nelson Rodrigues. Nunca tinha visto ela cantar ao vivo. Gostava dos discos, porém depois do show virei fã. No repertório sofisticado teve músicas de Dorival Caymmi, Tom Jobim, Ary Barroso, João Gilberto (sua influência maior) e Djavan.
Com sua consciência melódica e vocal, Rosa Passos demonstra um dom para entortar melodias e improvisar vocalizações incríveis. Acompanhada por um trio de músicos no piano, contrabaixo e bateria, em uma afinidade e competência difíceis de se ver hoje em dia.
Rosa Passos é boa e sabe disso. Tanto é verdade que durante o show afirmou que para trabalhar com ela é preciso ser “no mínimo virtuoso”. Poucos artistas podem falar isso com tamanha propriedade. Pena que seja cada vez mais rara a vinda dela ao Brasil.

Por falar em virtuosos, o Teatro de Arena da CAIXA Cultural recebeu o show de Arrigo Barnabé, com a participação especial da Patife Band. Para quem não conhece, o som único de Arrigo é uma fusão das invenções da vanguarda erudita com os códigos diretos da cultura pop. Já a Patife Band, que abriu a noite, mistura punk rock e composição dodecafônica.
No repertório do show temas como “Sabor de Veneno”, “Diversões Eletrônicas” e “Orgasmo Total”. Só no bis o compositor apresentou a esperada e pedida “Clara Crocodilo”, uma suíte para 4 mãos, interpretada com o instrumentista Paulo Braga. Durante toda a apresentação o público teve contato com a conhecida ironia de Arrigo Barnabé, que fez Caetano Veloso exalta-lo na canção “Língua”, já em 1984. No meio da apresentação ainda surpreendeu com a interpretação, ao seu modo bem peculiar, de “Lama” (Aylce Chaves e Paulo Marques), sempre entre uns e outros goles de cerveja.

Boa (e inesperada) notícia para quem se interessa por literatura e/ou questões de gênero. Uma tese de doutorado, sobre a genealogia da identidade homoerótica brasileira, foi eleita pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) como o melhor trabalho acadêmico do ano, e virou livro recém-publicado pela Editora UFMG.
Trata-se de "@s outr@s cariocas – Interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro, séculos XVII ao XX", do argentino Carlos Figari, que faz um amplo levantamento da história do homoerotismo no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Segundo o autor, a questão, tal como a enxergamos, é uma construção social, cujo sentido, volúvel, se desenvolve ao longo da história.
Ao analisar como se constituiu o olhar europeu sobre os nativos e como o homoerotismo tinha sentidos na América e se manifestava de muitas maneiras, o trabalho de Figari - apesar do olhar mais acadêmico - se aproxima bastante de “Devassos no paraíso”, indispensável livro de João Silvério Trevisan.
Ao final o autor conclui lucidamente que "as políticas que estamos gerando hoje são políticas de gay de classe média". Para quem está de férias, vale a pena devastar as 588 páginas do livro.

Dica de verão:

- Está em cartaz até 20 de janeiro, no Teatro Nelson Rodrigues, a RetrosPeg!. É uma retrospectiva do excelente trabalho feito pela Companhia PeQuod, de teatro de animação. Vale muito a pena conferir.
- Beber bastante líquido e abusar do filtro solar, bonés e óculos de sol. Tem cada um mais féxiu
que outro por aí, mas preocupe-se menos com moda e mais com a qualidade das lentes. Sem proteção UV não serve pra nada. A incidência dos raios nocivos aumenta a cada ano. É preciso se cuidar.
- Arder mesmo, só se for de amor por alguém. No verão, pode!

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Saudade até que é bom!

Quero comentar neste primeiro texto de 2008 sobre o quanto é bom perceber que, como diz o manjado chavão “o tempo passa”, mas as relações verdadeiras permanecem e sobrexistem a quaisquer distâncias temporais e/ou espaciais.

Estive na Paraíba, meu sublime torrão, extremo oriental e porta do sol deste país tropical, para as festas natalinas. Visitei minha mãe - esteio do meu ser, meu irmão – companheiro de vida, e demais familiares queridos. Além dos meus amigos incríveis, aqueles que são pra vida inteira. É muito bom rever pessoas que sabemos que a “simples” existência e presença delas em nossas vidas significam muito ou tudo para nós. Mesmo o fato de andar pelas ruas e ver rostos conhecidos é ótimo. O sotaque, o jeito paraibano de ser... Pena não ter podido ver todos que eu queria.
Em 2007 falei bastante aqui no blog, enquanto tentava dar minhas impressões sobre a vida ao meu redor, a respeito das relações fluidas da contemporaneidade. Mas é impressionante como na prática só o tempo, compositor de destinos, ensina o que pode e o que não pode ser. A vida na prática é sempre ao contrário do que se supõe.
As vezes a gente chega a desacreditar que relações afetivas sejam ainda possíveis, diante de tantas superficialidades, máscaras e violências. Mas não, mesmo que seja apenas no nosso universo particular, sei e acredito que o amor é real, nas diversas expressões. Apesar do sentido do termo ter se desgastado diante do mau uso.
Nada supera a imagem de minha mãe e meu irmão ao me recepcionarem, e depois ao se despedirem, no aeroporto. Nada tem mais calor que o abraço nos sinceros amigos. E também nada vale mais do que voltar para o Rio e receber o abraço daquela pessoa que eu escolhi, e que me escolheu também, como cúmplice do dia-a-dia.
A gente só leva da vida as relações que criamos, cabe a nós decidir que tipos teremos. Eu tenho felicidade das que criei, elas me alimentam.
Voltar àquelas paisagens, onde as acácias explodem em amarelo, e sentir que outrora eu era dali e agora sou estrangeiro, forasteiro do que vejo e ouço, faz-me refletir sobre o sentido de muitas coisas e sentimentos. Sobre o quanto damos importância para situações que não merecem e o avesso disso, por exemplo.
As vezes, o distanciamento lança luz às coisas da vida. Está tudo aceso em mim e estou cada vez mais ligado ao presente, à medida que percebo e compreendo as coisas todas ao redor. É muito bom retornar e perceber que nada ficou pendente. Tudo está no devido lugar. Aprendo a viver os dias, apenas um de cada vez. Isto pra mim é viver. Viver o presente é saber, entre outras coisas, entrar e sair de tudo na hora certa, sem correr o rico de magoar seja a quem for, nem a mim mesmo.

Sim, começo este novo ano com saudade de todos, mas em paz por estar de volta ao meu aconchego. Saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio. Aos que estão lá, onde nasci, me criei e sempre tive inspirações, afirmo apenas que seguirão bem dentro de mim, como um São João sem fim, queimando o sertão.
É isso, o Rio de Janeiro continua lindo. A vida continua - ela sempre continua, cabe a nós decidir como – e mais um novo ano, com muitas realizações, está só começando. Que em 2008, possamos entender que o tempo escorre num piscar de olhos e dura muito além dos nossos sonhos mais puros. Que o bom é não saber o quanto a vida dura, ou se estaremos aqui na primavera futura. Para assim, podemos brincar de eternidade agora, sem culpa nenhuma.
Todo dia é dia, toda hora é hora de saber que cada vez que damos um passo o mundo sai do lugar.
Felicidade Urgente para todos nós!